quinta-feira, 5 de março de 2015

Inspirações


Era um espaço incomum. Um tempo incerto, sem horas nem esperas, apenas estar por estar. Ela tinha um coração magoado e incerto. Já nada esperava. Já pouco sentia. Naquele espaço que era só um espaço e naquele tempo demorado e inquieto. Ele chegou, como o sol que chega no meio da tempestade, como a Primavera que tarda mas vem. Ele chegou. E o espaço que era apenas um espaço deixou de ser espaço para se colorir de encarnado e lilás, amarelo e verde esperança. E o tempo deixou de ser tempo, rendeu-se aos olhares que se cruzaram, às mãos que se tocaram como se não fosse a primeira vez. E ela rendeu-se à melodia. E ele ensinou-a a dançar ao som do bater descompassado do coração. E ela reaprendeu a sorrir. E ele continuou a sorrir, perdurando o momento além do tempo, que deixou de ser tempo e do espaço que deixou de ser espaço. E ela acreditou. Acreditou na verdade. Acreditou no sentir que ele sentia. E ele acreditou. Acreditou que acreditava que assim deveria ser. E o tempo, que não era tempo, passou, descansado e preguiçoso, como as manhãs de Domingo, as mesma que foram partilhadas até à exaustão. E o amor, que não era ainda amor, aconteceu. Como por magia, como ilusão. E ela deixou-se levar. E ele teimou levá-la, em viagens pelos céus, por entre as nuvens de algodão, até ao lugar onde dormem as estrelas e se pode ver o mundo ao contrário. Mas (sempre o mas, sempre o maldito mas) o rapaz dos olhos bonitos e das melodias doces mostrou apenas meia verdade. E ela apenas queria uma verdade inteira, por inteiro. E ele rasgou-lhe a esperança. E ela sentiu o coração quebrar como gelo. Quebrar e cair por terra, à velocidade das palavras que doeram, que doeram demais, de uma dor que não se escreve, apenas se sente. E ele prostrou-se por terra. E ela chorou e partiu o caminho em dois. E então o espaço, o mesmo que deixara de ser espaço, voltou a sê-lo, cinzento e cor de chuva, frio e solitário. E ela ali ficou, a lamber as feridas. E ele continuou, na incerteza da certeza, sem saber se ir, se ficar. E o tempo voltou a ser tempo, voltou a impor os dias que passam e o amor que não passa. E eles seguiram, por caminhos paralelos. Será que, lá à frente, quando o espaço deixar de ser espaço e o tempo deixar de ser tempo, se voltarão a encontrar?


4 comentários:

  1. Que post tão bonito... Perdoa-me mas não consigo dizer mais nada.

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  2. Quem sabe, o futuro às vezes surpreende-nos de formas muito inesperadas :) Adorei este texto, tens imenso jeito para escrever querida Kate :)

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